quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

WORTH E O SURGIMENTO DO DESFILE DE MODA


RESUMO ...

O artigo faz uma investigação histórica do aparecimento do Desfile de Moda na sociedade ocidental, para mostrar que a mudança para o sistema de moda, como é organizado atualmente, veio com o costureiro inglês Charles Frederick Worth em 1858, considerado o “Pai da alta costura”. Sua  importância  está ligada aos ideais da Revolução Industrial, à fragmentação e especialização da mão de obra, à criação de associações e sindicatos e à introdução da maquinaria recém inventada. Demonstra-se que Worth estabeleceu, por meio do lançamento de sucessivas coleções próprias, o fenômeno da mudança na moda e da valorização do novo, como conseqüência do consumo conspícuo -  o que perdura até os dias de hoje.

Apresentação...


A primeira idéia para a realização deste trabalho foi fazer uma investigação histórica do aparecimento do Desfile de Moda na sociedade ocidental, objeto de estudo de minha dissertação. Sua importância reside no fato de ser um elemento que agrega os conceitos da indústria e do universo da moda. A surpresa foi ter detectado a primeira forma de Desfile de Moda por volta de 1860 em Paris, durante a Revolução Industrial inglesa, atrelado a toda uma série de modificações na produção do vestuário.
A constatação deste fato serviu como alavanca para procurar entender os fatores, o contexto, as técnicas utilizadas e os atores que levaram ao aparecimento dessa nova forma de apresentação do vestuário e mesmo a formação do sistema da moda como a conhecemos atualmente.
Como embasamento teórico foi utilizado o capítulo Artesãos e Outros, do livro A formação da classe operária inglesa, constante na bibliografia indicada pela disciplina História da Técnica e da Tecnologia, o capítulo Dress as an Expression of the Pecuniary Culture (O Vestir como uma expressão da cultura pecuniária) do livro The Theory of the Leisure Class: An Economic Study of Institutions (A teoria da classe desocupada: um estudo econômico das instituições) e o livro Worth: Father of Haute Couture.
Origens da Moda
O trabalho teve como ponto de partida uma busca pela história da moda a partir de 1350 a 1500, que pudesse identificar alguma forma de Desfile de Moda. O período compreendido entre Idade Média e início da Renascença Italiana foi escolhido por ter apresentado um aumento da extravagância no vestir que já existia na Europa desde os séculos XII e XIII. O aumento das exportações do oriente durante as Cruzadas, da produção de tecidos de melhor qualidade no ocidente, da riqueza pessoal daqueles que sobreviveram à peste negra (1350 – 1400) e da riqueza de uma nova classe de comerciantes, foram fatores importantes que desencadearam uma atenção à vestimenta como forma de demonstração de poder e prestígio. Na Itália desta época, a economia era sustentada pela produção e importação de tecidos. Comerciantes e fabricantes em Florença e Veneza formavam grandes fortunas. Entretanto, mesmo ricos, não possuíam terras ou títulos de nobreza. Vislumbraram então, uma maneira de adquirir status e ganhar prestígio social. Passaram a usar roupas mais luxuosas que as da nobreza, a investir na arte privada e pública e na arquitetura. Mas o uso dos mais belos tecidos se tornara acessível a qualquer um. Aparece então o conceito de Consumo Conspícuo, que de acordo com o sociólogo americano Thorstein Veblen, determinava que uma pessoa poderia vestir um traje uma única vez, mergulhando o ocidente no universo da moda. Atrelado ao princípio de Consumo Conspícuo, o autor cita o do Ócio Conspícuo, que funcionam da mesma forma que os vários aparelhos que indicam que o usuário não tem trabalho produtivo. Desperdício Conspícuo e Ócio Conspícuo proporcionam reputação porque são evidências de força monetária; a força monetária tem reputação porque significa sucesso e força superior.
Os italianos desenvolveram uma avançada capacidade técnica para construir uma modelagem, um corte de roupa mais complexo, mais modelado ao corpo. O corte passou a ser reconhecível e poderia ser adotado ou descartado como uma “moda”.  Dessa forma, os italianos conseguiram conferir às roupas uma obsolescência planejada, tornando impossível, mesmo a um aristocrata, comprar continuamente novas roupas e o colocando assim em uma posição social rebaixada em relação aos comerciantes ricos.
Foi desse período também a publicação do primeiro livro de costumes do ocidente: Il Galateo, de Giovanno Della Casa, que propunha uma série de comportamentos que deveriam ser adotados para garantir o bom convívio social.
Entretanto os estilos de roupa “na moda” eram ditados e divulgados pela nobreza e a aristocracia. Durante o reinado de Louis XIV, outra “inovação técnica” permitiu que a França mantivesse seu posto de lançadora de moda. A corte francesa enviava bonecas em proporção ao tamanho real para outras cortes européias, vestidas com os mais recentes estilos. As damas mandavam então que suas costureiras imitassem as roupas, calçados, chapéus e acessórios das bonecas. As roupas esmeradas incluíam todos os detalhes de confecção, permitindo que as costureiras retirassem as peças para copiar. Essas bonecas eram de alabastro, madeira, porcelana, moldadas ou esculpidas.
Essa forma de propagação do estilo de vestir da França, esse “desfile de bonecas”, foi comum até o século XIX e até o final da Segunda Guerra Mundial. Em 1945, por exemplo, o Theatre De La Mode, organizado pela Chambre Syndicale de Haute Couture, enviou por todo o mundo, bonecas usando criações de estilistas parisienses com a intenção de demonstrar a supremacia e a qualidade da alta costura francesa.
Mme. Rose Bertin, Ministro da Moda, foi a primeira costureira famosa e respeitada que fazia vestidos para a extravagante rainha Maria Antonieta e para outras nobres da corte francesa e européia. Mme Bertin iniciou a alta costura, um método artesanal de construir uma única e exclusiva vestimenta com tecidos finos.
Por volta de 1804, Napoleão Bonaparte seguiu a tradição francesa de promover a economia do país por meio da moda. A Imperatriz Josephine era uma líder de estilo por ter um biotipo ideal para a moda alongada criada pelo então costureiro da corte francesa Leroy.
Entretanto até o governo de Napoleão III eram as damas da nobreza e da aristocracia que solicitavam às suas costureiras os modelos queriam usar.
A mudança para o sistema de moda como é organizado atualmente veio com o costureiro inglês Charles Frederick Worth em 1858, considerado o “Pai da alta costura”. A importância de Worth para encontrar a origem e o contexto histórico do Desfile de Moda está ligada aos ideais da Revolução Industrial, à fragmentação e especialização da mão de obra, à criação de associações e sindicatos e à introdução da maquinaria recém inventada. Dessa forma é importante perceber que o aparecimento do Desfile de Moda acontece para reafirmar o status e o poder da nova organização da moda.

Contexto da Indústria Têxtil na Inglaterra do Século XIX...

De acordo com o texto Artesãos e Outros, em 1830, como a indústria estava distribuída pelo interior, o empregado industrial trabalhava em pequenas oficinas ou em casa.
Os artífices rurais consideravam-se superiores aos trabalhadores urbanos. Era o caso dos tecelões e tecedores de meia. Neste período as tradições dos ofícios eram associadas a noções de preço adequado e salário justo. Especificamente no caso das indústrias têxteis, os empregados eram externos e os salários eram determinados pelo prestígio social e pelo costume ao invés da oferta e procura de serviço.
Essa relação estabeleceu, nas décadas de 1840 e 1850, uma distinção intelectual e moral entre o artesão e o trabalhador, uma espécie de aristocracia entre os artesãos, diferenciado-os entre qualificados, que começavam a se organizar em sindicatos e não qualificados. Em Londres as “... atividades ligadas à produção de artigos de luxo...” eram mais valorizadas que as outras atividades (THOMPSON, 1998, p. 76). Essas especialidades de luxo eram denominadas dignas e os setores considerados inferiores (mobília comum, bugigangas, roupas prontas, etc) eram denominados de indignos.
O salário dos trabalhadores sindicalizados era regulado pelo costume e pela pressão dos sindicatos e o dos trabalhadores não associados eram determinados pela competição. Os aumentos também eram regulados de acordo com a força de cada sindicato. Nesse período, citado anteriormente, foi fundando o primeiro sindicato regulador da atividade de alta costura. 
De fato, o texto explica que em 1850 e 1860 uma nova elite se formava a partir das novas especialidades que apareciam com as inovações tecnológicas da maquinaria e da manufatura. Aos poucos os antigos mestres artesãos foram perdendo espaço para trabalhadores menos qualificados ou treinados para lidar exclusivamente com os novos equipamentos.
Em algumas atividades esse novo artesão treinado começou a trabalhar em oficinas e fábricas que requeriam um alto grau de especialização. Na indústria têxtil, os velhos ofícios domésticos foram desaparecendo e o trabalho de costureiras e alfaiates foi aos poucos, sendo substituído pela atividade de novos profissionais que aplicavam os novos conhecimentos na indústria do vestuário, conforme será mostrado mais adiante.
Empresários da França, Rússia, Alemanha e América procuravam na Inglaterra trabalhadores qualificados e o governo inglês proibiu a saída de trabalhadores especializados do país para proteger a indústria britânica. È interessante verificar que o ator principal da transformação do universo da moda no século XIX, Charles Worth, emigrou para a França exatamente neste período.
O texto analisa de maneira interessante a diferenciação entre os alfaiates de especialidades dignas, os flint (pedra) e os de atividades indignas, os dung (esterco). Os alfaiates organizaram um sindicato modelo, com grande força de persuasão e controle sobre os empregos. Eles mantinham espécies de agências de empregos para garantir a posição de sua classe.  As oficinas só aceitavam trabalhadores associados, o que favorecia os profissionais de Londres que tinham uma remuneração muito maior do que a recebida pela maioria dos trabalhadores da metrópole.
Entretanto o crescimento de trabalhadores indignos, não afiliados, causou a contratação destes por salários mais baixos que os dos alfaiates sindicalizados. A confecção de vestidos, ofício considerado pesado, era desempenhada por costureiras, imigrantes do campo ou de pequenas cidades, em oficinas contratadas por grandes estabelecimentos. Nas aldeias têxteis os tecelões faziam trabalhos eventuais para pequenas fábricas.
Os “cavaleiros da agulha” (THOMPSON, 1998,  p. 99) como eram denominados, foram poderosos até a década de 1830 quando se tornou impossível conter o avanço do comércio de roupas prontas e baratas.

Charles Worth...

Considerando esse contexto de transformações é interessante estabelecer de que forma isso influenciou a formação de um novo sistema de moda e questionar os motivos pelos quais Charles Worth mudou-se para Paris, vislumbrando ali a possibilidade de desenvolver uma moda sazonal e ditatorial, regulada pelas inovações tecnológicas. 
Nasceu em 1826, em Bourne, Lincolnshire, Inglaterra. Foi aprendiz na fábrica de drapeados Swan & Edgar e vendedor assistente na loja de sedas Lewis & Allenby. Em 1846 mudou-se para Paris, o centro da moda, para trabalhar na Gagelin & Opigez, conhecida pelos seus xales de seda. Ali, Worth começou a criar vestidos simples para sua esposa Marie Vernet, a modelo da loja. Os clientes se interessavam pelos modelos diferentes que Marie vestia, o que permitiu a Worth abrir um departamento para atendê-las.
Os anos de 1852 a 1870 são considerados de extravagância e vulgaridade da moda francesa. A sociedade parisiense estava ávida para demonstrar sua recente riqueza e Worth soube oferecer aos consumidores franceses o que outros costureiros locais não podiam.
De acordo com Veblen a regra do Consumo Conspícuo de bens encontra expressão no vestir e tem relação com reputação monetária. Despender gastos com o vestir tem a vantagem sobre outros métodos, pois a vestimenta está sempre em evidência e demonstra a riqueza aos observadores numa primeira olhada. Worth entendeu que a maior parte das despesas em qualquer tipo de vestimenta servem mais para criar uma aparência respeitável, do que para estar protegido. As pessoas relegavam para um segundo plano as necessidades diárias para consumir desnecessariamente.
Em 1855, Worth ganhou o primeiro prêmio na Exposição de Paris, com um vestido criado para uma dama da corte de Eugenie. Mas seu sucesso veio ao desenhar um vestido para a Princesa Metternich, esposa do embaixador da Áustria em Paris, usar em um baile em Tuilleries. A imperatriz Eugenie reparou no vestido e se tornou cliente de Worth, solidificando sua reputação.
Até Worth as roupas das damas eram produzidas por numerosas costureiras que não criavam ou inventavam novos estilos, mas construíam artesanalmente as roupas de acordo com as especificações da cliente, usando tecidos que elas mesmas traziam. Os vestidos eram escolhidos por ilustrações, revistas ou bonecas de moda. Assim a responsabilidade por estar “na moda”, recaia sobre a cliente. Foi este aspecto da moda que Worth revolucionou.
Em 1858, Worth inaugura com um sócio, Otto Bobergh, a Maison "Worth & Bobergh", na 7 Rue de La Paix, com 20 funcionários. O negócio prosperou e por volta de 1871 ele tinha 1200 funcionários.
A inovação técnica que Worth aplicava no uso de detalhes, tecidos fabulosos, cores, enfeites provinham de um conhecimento de engenharia e geometria, necessários para produzir formas especiais e únicas. Worth considerava o vestido um objeto tridimensional a ser construído e estudou os principais movimentos do corpo para criar cortes que proporcionassem a máxima elegância. Criou corpetes bem ajustados que se encaixavam nas saias cortadas no viés ou retas.
Outra inovação técnica foi a introdução em seu atelier de uma linha de produção em série que criava partes padronizadas e intercambiáveis dos vestidos. Mangas diferentes podiam caber em inúmeros corpetes, que por sua vez, combinavam com várias formas de saias. Em 1860 adotou os moldes de papel e a figura da modelista, funcionária treinada exclusivamente para a criação e confecção dos moldes. Worth empregava a máquina de costura para tudo a não ser para os serviços mais delicados e era receptivo às invenções da maquinaria que podiam duplicar e em alguns casos ultrapassar em rapidez e qualidade os trabalhos de aplicação de enfeites e adornos, por tradição realizados manualmente. Esse processo de produção passou a considerar as peças de roupa de maneira fragmentada, o que permitiu ao atelier resultados mais rápidos, economia de tecido e qualidade no acabamento.
Charles Worth aplicou os princípios e a tecnologia da Revolução Industrial à confecção de vestidos de luxo e foi por conseqüência responsável pela transformação de uma série de pequenas alterações na própria indústria de moda do período.
Quando a maquinaria recém criada não funcionava, ele patrocinava imitações que poderiam ser utilizadas posteriormente nas fábricas, se tornando uma ponte importante entre os artesãos e o sistema fabril. 
A produção da Maison Worth era de aproximadamente 6.000 a 7.000 vestidos e 4.000 roupas anualmente, atendendo toda a Europa e os Estados Unidos. Era um volume de mercado que os concorrentes, ainda estruturados sobre um sistema artesanal de confecção, não podiam alcançar.
De Lyon, Worth comprava tecidos de seda de grande complexidade e sofisticação, feitos em grandes teares semi-automáticos. Usava os tecidos mais lindos que se pudesse obter. Os moinhos de Lyon enviavam amostras dos últimos padrões para a aprovação de Worth. Método semelhante ao que as tecelagens atuais utilizam para divulgar sua mais recente produção entre os estilistas.
A Maison Worth floresceu durante o segundo império na França e na atmosfera opulenta dos anos de ouro dos Estados Unidos. De acordo com Emile Zola, podemos considerar Worth, um homem de uma época em que "os ventos são favoráveis à ciência e os artistas são compelidos a devotar–se aos estudos de eventos e fatos”. O joalheiro François Cartier, resumia da seguinte maneira sua filosofia de vida e a de Worth: "we live by and for luxury, therefore all the questions we ask ourselves are superfluous, we must assume our roles and that is all!" (vivemos pela e para a luxúria, portanto todas as questões que nos fazemos são supérfluas, devemos assumir nossos papéis e isso é tudo).
O New York Times definiu Charles Worth como "one of the most powerful personages of our epoch" (um dos mais poderosos personagens de nossa época), palavras fortes para um costureiro.

Inovações Técnicas de Worth...

Em 1858 Worth criou sua própria coleção de vestidos. Reuniu as clientes mais importantes, pertencentes à nobreza e à aristocracia francesa e mostrou as roupas em modelos vivas, mulheres da sociedade que aceitaram desfilar para Worth por status. Nascia o Desfile de Moda.
As roupas de Worth vinham com a etiqueta da Maison, como um símbolo, um certificado de autenticidade, identidade, qualidade, reputação e status. Era a primeira vez que um costureiro se identificava em uma roupa por meio de uma etiqueta interna; a idéia fez grande sucesso com a Imperatriz Eugenie e suas criações se tornaram o furor das décadas de 1860 e 1870. Seus contemporâneos se referiam ao 2º Império como a Época de Worth ("L'epoque de Worth"). 
Worth inventou a crinolina, que consumia em média 9,14 m de seda, de tamanho comum e 27,42 m ou mais para uma elaborada.
Por meio de seus contatos nos moinhos de seda em Lyon, Worth obtinha tecidos exclusivos para seu consumo e aumentava a qualidade do material tradicional. O vestido imenso de crinolina se tornou popular com a Princesa Eugénie, que em 1868 ordenou a confecção de 250 vestidos com crinolina para usar em cerimônias em torno da inauguração do Canal de Suez. A construção de uma crinolina era um exemplo de engenharia, pela complexidade na montagem e na adaptação ao corpo feminino.
Aboliu o uso do casquete que cobria rosto das mulheres, criou vestidos na altura do tornozelo para o verão de 1860, facilitando o andar e em 1867 apresentou uma versão modificada da crinolina: o vestido princesa, achatado na frente e armado em uma grande cauda atrás. Por volta 1868-9, as clientes estavam acostumadas com uma silhueta estreita e a crinolina foi retirada definitivamente.
A indústria têxtil francesa de seda havia expandido os negócios, graças aos tecidos luxuosos que em camadas cobriam a crinolina. Mas a retirada da estrutura não afetou a produção, visto que o vestido princesa utilizava uma outra armação que também precisaria da seda, a anquinha e a cauda.
Worth incentivava o uso do corset, que valorizava suas saias com crinolina. De acordo com Veblen, o corset (espartilho) era substancialmente uma mutilação, usado com o propósito de diminuir a vitalidade da mulher e lhe dificultar movimentos mais amplos ou ágeis. Ele debilita a pessoa, mas essa perda é ofuscada pela reputação que vem com o fato de ser extremamente caro. 

Características da Sociedade Vitoriana...
 

O período vitoriano caracterizou-se pela presença do consumo conspícuo, o que garantiu à alta costura um grande desenvolvimento.
Em Theory of the leisure class, Thorstein Veblen chamou a necessidade de demonstrar a riqueza uma maneira de criar uma reputação. Não havia constrangimento em ser rico. Mrs. William K. Vanderbilt não era considerada membro da sociedade de Nova Iorque até 1883, quando ofereceu o baile mais luxuoso da cidade, marcando a finalização de sua mansão.
O entendimento da importância das roupas para as mulheres com aspirações sociais neste período é vital para compreender o papel desempenhado por Worth.
No mesmo livro, o autor comenta que a vestimenta feminina é mais característica que a masculina no sentido de mostrar afastamento do trabalho produtivo. Para a mulher, quanto mais elegantes os casquetes, mais lustrosos e altos os saltos dos calçados, mais justa a saia, impedindo passos mais largos e mais longos fossem os cabelos, mais incapacitada a mulher se tornava para a realização de qualquer tarefa útil, de esforço mínimo. O desconforto ou incapacidade física voluntária das mulheres era praticado para o bem de alguém com quem ela mantinha uma relação de dependência econômica, de servidão. A característica de incapacidade de realizar trabalho, presente na vestimenta feminina, confirmava o status econômico das mulheres no passado (e no presente). O status feminino, sob a ótica do Ócio Conspícuo e do Consumo Vicário reforçava sua função de consumir por transferência, pelo chefe da casa. Como será citado mais adiante, sacrifícios deveriam ser feitos para a montagem de um guarda-roupa feminino, para causar a impressão ao observador de que essa mulher não trabalha, não realiza esforço e vive de atividades de lazer. Sua esfera era doméstica pela organização de um sistema de sociedade patriarcal, que colocava em evidência essas habilidades. No esquema ideal na vida das altas classes a atenção ao Consumo Conspícuo deve ser função da mulher.  A mulher era a propriedade do homem. Sem poder sobre si mesma, seus gastos e lazer serviriam de valorização de seu chefe. Assim quanto mais cara e improdutiva fosse a dona de casa, mais crédito e respeito teria sua família e seu esposo.
O salto alto, a saia, o casquete, o corset evidenciavam o efeito que o esquema moderno civilizado tinha na vida feminina, ainda economicamente dependente do homem.
Para conseguir um casamento de sucesso para as filhas, mães ambiciosas criavam planos cuidadosos. Vestidos de gazes frágeis decorados com flores e laços feitos para jovens ricas que deveriam ser usados apenas uma noite. Flores de seda, tules e enfeites pregueados enfatizavam a inocência das jovens e sua disponibilidade para o mercado do casamento. O guarda roupa de uma pretendente deveria conter vestidos de festa, vestido de visita, vestidos de jantar, de noite, para a ópera e o mais extravagante e importante de todos, os vestidos de baile. Os bailes eram um veículo para ostentação ilimitada, por isso eram populares.

O Valor da Maison Worth...


A Maison de Worth era um lugar de encontro popular para as mulheres “da moda”. A Harper's Bazar descreveu um encontro na Maison Worth afirmando que ele as chamava, as inspecionava e as glorificava ou condenava por sua vestimenta. Ali Worth era majestade, nobre como suas clientes. Ele podia escolher a quem vestir. Da Imperatriz Eugenie à atrizes, cortezãs e cocotas como Cora Pearl, uma de suas “propagandas”, que pode ser vista em muitas fotos usando as crinolinas de Worth.
Seus clientes favoritos, durante o império pertenciam à corte Tuilleries e nos anos da república Worth preferia atender as americanas. O fato de ser estrangeiro em Paris ajudou seu sucesso, visto que não pertencia a nenhuma classe, permitindo lidar com nobres ou esposas de empresários americanos. Worth conseguiu entender os desejos de mulheres das classes altas em uma época em que, como já citado anteriormente, elas tinham pouco com o que se ocupar, além de roupas e as ocasiões sociais adequadas para vesti-las.
Em 1870 o Império caiu, Eugénie fugiu para o exílio na Inglaterra e seu sócio, Otto Bobergh retornou para a Suécia. Em 1871 a Maison reabriu somente com o nome Worth. As clientes nobres haviam fugido e esse espaço começava a ser preenchido pelas clientes estrangeiras, especialmente as americanas.
Era um tempo de crescimento econômico nos Estados Unidos. Impérios privados começavam a ser construídos e seus donos ansiavam por expressar sua riqueza de maneira grandiosa. A realeza e a nobreza da Europa aguçava os sonhos de grandeza dos novos ricos americanos, visto que a “nobreza” americana era formada por barões da borracha, príncipes do comércio e reis do cobre. Os corretores de imóveis dos Estados Unidos recebiam a missão de encontrar palacetes italianos, os engenheiros deveriam construir castelos em New York e Newport. Galerias particulares eram montadas e as esposas deveriam preencher seus dias planejando grandes residências, festas esplêndidas e arranjando pretendentes para suas filhas. De duas a três vezes ao ano essas damas viajavam a Paris para atualizarem o guarda – roupa para a próxima estação. A mulher americana era acusada de extravagância por comprar grande número de vestidos caros em Paris. Algumas americanas pediam réplicas dos vestidos feitos para as nobres européias.
Havia dois preços nas muitas maisons, inclusive na de Worth, um para as americanas e outro para as clientes de outras nacionalidades. Os preços exorbitantes de Worth tinham pouco a ver com o valor do material que fora gasto na confecção, mas sim com a aura e o simbolismo que a figura dele criara. Um vestido de baile de Worth poderia custar mais de U$ 10.000,00. Mesmo assim, os preços inflacionados de Paris para as americanas, eram mais baixos que os de Nova Iorque e os vestidos eram muito mais chiques. Sessões com o costureiro em Paris eram mais agradáveis, pois nos Estados Unidos as damas deveriam ir à costureira ao invés desta atender as clientes nas residências. As costureiras não trabalhavam no mesmo ritmo que as maisons, muito menos que a Maison Worth, além disso, as costureiras copiavam modelos e não criavam. As modistas americanas importavam os modelos de Worth e os copiava para as mulheres que desejavam as criações do estilista, mas não podiam pagar uma viagem à Paris a cada estação.
A coleção era preparada em Paris e enviada em poucas semanas para a América. A chegada de novas roupas era prioridade sobre tudo. Muitos eram enviados por Worth, que possuía tecnologia para criar, produzir e enviar rapidamente suas peças para suas clientes americanas.
O valor comercial dos bens de vestuário de Worth era baseado no que Veblen considera uma maior valorização da moda. O ato de vestir considera mais a reputação proporcionada pelos bens do que o trabalho dispensado à confecção dos trajes. De acordo com autor, a regra do Consumo Conspícuo gasto em vestuário moldava os padrões de gosto e decência. O motivo pelo qual o usuário gastava de forma notável ocorria pela necessidade de conformismo e de viver em um patamar de gosto e reputação adequados. A exigência ao gasto era valorizada de tal forma nos hábitos da época que qualquer outro tipo de moda se tornava instintivamente odiosa. O barato não tinha valor. "A cheap coat makes a cheap man" .(um casaco barato faz um homem barato). As roupas eram consideradas belas ou úteis de acordo com o preço e Worth compreendeu este valor “mágico” das roupas.
A falsificação perde o valor estético porque perde valor monetário, como era o caso das roupas que as modistas americanas copiavam. A função da roupa ou a capacidade de pagar por ela mostra que o usuário consome bens de valor em excesso mais do que consome o que lhe traz conforto físico. Consumo Conspícuo de bens é efetivo e gratificante, demonstra sucesso monetário e conseqüentemente valor social.
Demonstra também que o usuário pode consumir livremente, sem a necessidade de trabalhar para isso. Nesse período a roupa não apenas deveria ser cara, como também deixar claro que o usuário não era produtivo, não trabalhava habitualmente. Nenhuma vestimenta era elegante ou decente se demonstrasse o efeito do trabalho manual por parte do usuário. O efeito de limpeza e brilho das roupas se devia à sua capacidade de sugerir lazer, ausência de contato pessoal com o processo industrial de qualquer tipo. Muito do charme do calçado de couro, do linho, da cartola e da bengala, que garantia a elegância do cavalheiro, vem do fato de eles indicarem que o usuário não podia, quando tão alinhado, desempenhar alguma atividade manual. Nesse período, portanto as roupas eram (e ainda são) símbolo do lazer. O usuário era capaz de esbanjar, mas o fazia sem produzir.

Worth na Literatura...


Worth é citado por diversos escritores de sua época. No romance Idade da Inocência (The Age Of Innocence) Edith Wharton descreveu uma personagem que comprava 12 vestidos por ano de Worth: dois de veludo, dois de cetim, dois de seda e o restante em popeline e cashmere. Emille Zola, em La Curee, disfarça Worth no personagem de Mr. Worms. Em Transplanted Rose, de Mrs. Sherwood, 1882, há a descrição de uma garota de uma cidade do meio oeste americano que foi à sua primeira festa em Nova Iorque em um vestido de um brocado resplandecente, confeccionado por uma costureira local, mais apropriado para uma “perua” do que para uma debutante. Após algumas orientações de suas tias nova-iorquinas, a jovem conquistou um Lorde Inglês e um enxoval de Worth. Refletindo, Rose diz para uma amiga que as roupas têm muito a ver com a felicidade de alguém.

Conclusão: o Declínio...

Por volta de 1900 o império de Worth perdia a força. Jean Worth, filho caçula mantinha a clientela fiel, mas a proeminência da Maison foi sacudida pelo novo estilo desestruturado do estilista Jean Poiret, ex-funcionário de Worth. Os anos de ouro terminaram, havia menos bailes e a extravagância e otimismo anteriores estavam ofuscados pela sombra da guerra. A participação da mulher na Primeira Guerra Mundial acelerou a aceitação da roupa funcional, ela não queria voltar à formalidade restritiva no vestir da sociedade do período anterior.
Por meio desta breve pesquisa, conseguiu-se demonstrar que Worth estabeleceu, por meio do lançamento de sucessivas coleções próprias, o fenômeno da mudança na moda, que se tornou seu requisito imperativo. O fenômeno da mudança, da valorização do novo, como conseqüência do consumo conspícuo, levou á valorização dos Desfiles de Moda que perdura até os dias de hoje.
A norma de Consumo Conspícuo influencia a mudança da moda para que exista o pré-requisito de desperdício. Se cada roupa serve por um curto período de tempo e se nada da ultima estação pode ser reaproveitado, isso aumenta o consumo de roupas.
Cada inovação de Worth era (assim como é para os estilistas atualmente) um esforço para exibir o senso de forma e cor mais aceitáveis. Os estilos mutantes procuravam por algo que comprometeria as pessoas em um senso estético; mas a gama para a inovação era (e ainda é) limitada. Conseguir um padrão de reputação requeria que a roupa demonstrasse Desperdício Conspícuo, mas este princípio deveria ser fútil.
Assim as inovações no vestir, acrescentam, retiram ou alternam detalhes, raramente fugindo da simulação de algum uso ostensivo. O uso ostensivo dos detalhes da moda em uma roupa é um “faz de conta”, chamam a atenção por sua futilidade substancial, se tornam insustentáveis e depois procuram refúgio em um estilo novo. Mas esse novo estilo deve estar em conformidade com o requisito de reputação e futilidade. Um novo estilo surge nos Desfiles de Moda e se mantém por uma estação. Enquanto é novidade, é considerado atraente e belo. O consumidor se sente aliviado destes serem diferentes dos anteriores. Qualquer coisa será aceita como novidade até que sua garantia de reputação seja transferida para uma nova estrutura, servindo ao mesmo propósito geral. Porém, nada da moda resiste ao teste do tempo.




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